Conceitos Meteorológicos
De um modo geral, as nuvens se formam a partir da condensação do vapor d'água existente na atmosfera formando gotículas de água. Se a nuvem atingir altitudes maiores, devido à diminuição da temperatura com a altitude, as gotículas de água podem se transformar em gotículas de água super-resfriada, isto é, gotículas no estado líquido a temperaturas inferiores a 0° C, ou mesmo partículas de gelo. As nuvens de tempestade distinguem-se das outras formas de nuvens pelo seu tamanho, pela sua grande extensão vertical, pela presença de gotículas de água super-resfriadas e por apresentarem fortes correntes verticais de ar. O processo de formação das nuvens de tempestade na atmosfera depende basicamente de três fatores: a umidade do ar, o grau de instabilidade vertical da atmosfera, o qual está relacionado à variação de temperatura com a altura, e a existência de mecanismos dinâmicos denominados forçantes.
A umidade está relacionada à quantidade de vapor d'água existente no ar. A umidade pode ser expressa quantitativamente em termos da densidade de vapor d'água, isto é, da massa de vapor d'água por unidade de volume de ar, neste caso denominada umidade absoluta ou, em sua forma mais popular, em termos da razão entre a massa de vapor d'água existente por unidade de massa de ar seco (denominada razão de mistura) e a massa de vapor d'água por unidade de massa de ar seco que existiria se o ar estivesse saturado (denominada razão de mistura de saturação), expressa em porcentagem e denominada umidade relativa. O ar está saturado quando a pressão associada à massa de vapor d'água é tal que o vapor d'água começa a condensar nas partículas de aerossóis. Esta pressão é denominada pressão de saturação do vapor d'água. A umidade relativa de uma massa de ar saturado é igual a 100% e indica que a massa de ar contém a máxima massa de vapor d'água que ela pode conter em uma dada temperatura. Na ausência de aerossóis (ou gotículas de água), todavia, a massa de vapor d'água pode ultrapassar este valor máximo. Tem-se então a supersaturação. O ar é dito estar supersaturado. A umidade relativa aumenta e a pressão de saturação do vapor d'água diminui quando a temperatura do ar também diminui.
O grau de instabilidade vertical da atmosfera está associado com a variação vertical da temperatura e representa a capacidade da atmosfera de permitir com que uma parcela de ar sofra deslocamentos na vertical a partir de uma perturbação inicial. Quando uma parcela de ar não saturada sobe na atmosfera sua temperatura diminui a uma taxa constante de aproximadamente dez graus por quilômetro, denominada curva adiabática não saturada. Com a diminuição da temperatura a uma dada altitude a pressão do vapor d'água contido na parcela atinge a pressão de saturação e a parcela torna-se saturada. Esta altitude é denominada nível de saturação.
Desprezando os efeitos devidos a supersaturação, este nível coincide com o nível de condensação e define a altura da base das nuvens. A partir deste nível, a condensação do vapor d'água dentro da parcela libera calor latente aquecendo-a, fazendo com que ela se esfrie mais lentamente. A temperatura da parcela passa então a diminuir com a altura numa taxa que varia com a altura, denominada curva adiabática saturada, podendo ser tão baixa quanto 3 graus por quilômetro. À medida que a parcela sobe, esta taxa pode voltar a crescer atingindo valores próximos daquele quando a parcela não estava saturada. Quando a parcela atinge o nível de congelamento (correspondente à temperatura de 0° C), as gotículas de água líquida contida nela tendem a congelar. Devido ao pequeno número de núcleos de condensação necessários para que ocorra o congelamento, as gotículas de água permanecem no estado líquido como gotículas de água super-resfriada. Continuando a subir, parte das gotículas vai gradativamente congelando, formando pequenas partículas de gelo. Esta região onde gotículas de água super-resfriadas e partículas de gelo coexistem simultaneamente é denominada de região de fase mista. As gotículas de água super-resfriada que atingirem o nível onde a temperatura é igual a -40° C e transforma-se instantaneamente em partículas de gelo condensando em íons negativos.
O grau de instabilidade de uma atmosfera pode ser determinado comparando o perfil de temperatura da atmosfera com a variação de temperatura que uma parcela de ar sofre ao ascender na atmosfera. Uma atmosfera é considerada estável, quando movimentos verticais de uma parcela de ar são inibidos em qualquer altura, isto é, quando uma parcela ao sofrer um deslocamento na vertical a partir de uma perturbação inicial tornando-se mais fria do que a atmosfera. Por outro lado, a atmosfera é considerada uma atmosfera instável quando tais movimentos são permitidos, isto é, para qualquer altitude, a parcela sempre esteja mais quente que a atmosfera. E, finalmente, a atmosfera é considerada uma atmosfera condicionalmente estável quando tais movimentos são permitidos em determinadas alturas. Freqüentemente a atmosfera apresenta-se como condicionalmente instável, sendo estável nos primeiros quilômetros a partir do solo até uma altitude denominada de nível de convecção livre, e instável a partir deste nível até um determinado nível, denominado nível de equilíbrio, que irá definir o topo das nuvens. Em geral o nível de equilíbrio encontra-se abaixo da tropopausa. A atmosfera também pode se tornar condicionalmente estável devido a inversões. Atmosferas estáveis e instáveis também ocorrem freqüentemente.
A energia necessária que deve ser fornecida a parcela de ar por uma força externa para que ela supere a região estável e atinja o nível de convecção livre é denominada energia de inibição da convecção (CINE), e a energia necessária para que a parcela de ar continue seu movimento de ascensão é denominada energia potencial convectiva disponível (CAPE). A CAPE é proporcional à velocidade das correntes ascendentes de ar dentro da nuvem. Quanto menor for a CINE e maior a CAPE, maior será o grau de instabilidade da atmosfera. O grau de instabilidade da atmosfera também pode ser estimado por outros parâmetros, tais como a temperatura potencial equivalente, a temperatura de bulbo úmido e a temperatura convectiva. Temperatura potencial equivalente é a temperatura que uma parcela de ar teria se toda a sua umidade fosse condensada e o calor latente liberado fosse usado para aquecer a parcela. Temperatura de bulbo úmido é a mais baixa temperatura que uma parcela de ar sob pressão constante pode ser resfriada pela evaporação de água no seu interior, considerando que o calor requerido para a evaporação seja proveniente do próprio ar. Temperatura convectiva é a temperatura que uma parcela teria na superfície para que ocorra convecção a partir de uma pequena perturbação. Ela corresponde a uma situação próxima de CINE igual a zero. O grau de instabilidade da atmosfera eleva com o aumento da temperatura potencial equivalente ou da temperatura de bulbo úmido, e com a diminuição da temperatura convectiva. O grau de instabilidade da atmosfera também pode ser estimado a partir da diferença entre a temperatura e a temperatura do ponto de orvalho na superfície. A temperatura do ponto de orvalho é a temperatura que o ar deve ser resfriado para que ocorra a saturação, mantida a pressão e a massa de vapor d'água constante.
As forçantes, por sua vez, atuam de modo a empurrar o ar para cima, fornecendo energia para que ele possa superar a região estável. Exemplos de forçantes são as frentes, as brisas marítimas, os ventos soprando em direção a uma montanha, áreas com convergência horizontal de ventos, as ilhas de calor e as frentes de rajada associadas às tempestades.
Frentes são regiões de transição entre duas massas de ar de diferentes densidades, normalmente uma mais quente e úmida do que a outra. Se a massa de ar mais fria move-se de encontro à massa de ar mais quente, a frente é denominada frente fria. No caso oposto, tem-se uma frente quente. Também podem ocorrer frentes estacionárias e frentes que se sobrepõem, denominadas frentes oclusas. Algumas vezes mais de uma forçante pode estar atuando simultaneamente. Uma típica zona de convergência de ventos é a zona de convergência intertropical (ITCZ). A zona de convergência intertropical é uma zona de convergência entre os ventos provenientes de ambos os hemisférios com uma largura de algumas centenas de quilômetros e situada próxima ao equador.
Uma típica nuvem de tempestade contém algo em torno de meio milhão de toneladas de gotículas de água e partículas de gelo de diferentes tamanhos, das quais cerca de 20% atingem o solo sob a forma de chuva. O restante evapora ou fica na atmosfera sob a forma de nuvens. Dentro da nuvem estas partículas tendem a ser levadas para cima por fortes correntes de ar ascendentes com velocidades que variam desde alguns poucos quilômetros por hora até 100 km/h. Ao mesmo tempo, devido à gravidade, elas tendem a cair.
Gotículas de água formadas a partir da condensação do vapor d'água em diferentes núcleos de condensação possuem diferentes tamanhos que variam de uns poucos micrômetros até algumas poucas dezenas de micrômetros. O fato de a pressão de saturação do vapor d'água ser inversamente proporcional ao tamanho da partícula (raio de curvatura), tende a aumentar estas diferenças de tamanho. Quando largas e pequenas gotículas estão presentes ao mesmo tempo, a pressão do vapor d'água tende a um valor intermediário entre os valores de saturação para cada uma delas, com isto tornando o vapor d'água supersaturado em relação às partículas maiores e não saturado em relação às partículas menores. Conseqüentemente, a água evapora das partículas menores condensando nas partículas maiores, fazendo com que as últimas cresçam a partir das primeiras. Após a maioria das gotículas atingirem algumas dezenas de micrômetros, estas tendem a crescer por outro processo denominado coalescência. A coalescência ocorre devido ao fato de que gotículas de diferentes tamanhos tendem a cair dentro da nuvem em diferentes velocidades. A velocidade de queda de uma partícula é determinada a partir do equilíbrio entre a ação da gravidade e das forças devido à fricção entre as partículas, e é denominada velocidade terminal. Gotículas maiores tendem a cair mais rápido e com isto coletar as menores ao longo de seu caminho.
A existência de correntes ascendentes faz com que as partículas demorem mais tempo para cair, com isto favorecendo o processo de coalescência. Quanto mais espessa a nuvem e maiores as velocidades das correntes ascendentes, maiores serão as partículas dentro dela. Gotículas de água de até mil micrômetros, formadas por coalescência, podem existir dentro das nuvens. Por sua vez, as partículas de gelo formadas a partir da condensação de gotículas super-resfriadas em núcleos de condensação tendem a crescer por deposição, segundo um processo conhecido como processo de Bergeron-Findeisen. Este processo é similar aquele descrito para o crescimento das gotículas de água por diferenças na pressão de vapor de saturação.
Devido ao fato de a pressão de saturação do vapor d'água ser levemente maior para gotículas super-resfriadas do que para partículas de gelo, o vapor evapora das gotículas de água super-resfriadas depositando-se nas partículas de gelo, fazendo com que as últimas cresçam a partir das primeiras formando cristais de gelo. Este processo é mais eficiente em temperaturas próximas a -15° C, onde a diferença entre as pressões de saturação da água super-resfriada e do gelo é maior. Quando o cristal de gelo atinge um tamanho razoável ele cai, e em sua queda pode capturar gotículas super-resfriadas, formando repetidas camadas de gelo em sua superfície (processo denominado de acrescimento), ou outras partículas de gelo (processo denominado agregação), crescendo até formar partículas de gelo maiores com diâmetros de vários centímetros, denominadas de granizo.
Tipos
Nuvens de tempestade podem se apresentar de dois modos: isoladas, também conhecidas como tempestades isoladas ou tempestades locais, ou em grupos, formando tempestades organizadas. Estas últimas costumam ser mais severas e apresentar chuvas e ventos mais intensos, além de granizo. Em qualquer instante, cerca de 2 mil tempestades estão ocorrendo ao redor do mundo, isto equivale a cerca de 50 mil tempestades ocorrendo todo dia ou cerca de 16 milhões por ano. Tempestades são mais comuns durante o verão e em regiões tropicais e temperadas, embora também ocorram em regiões próximas aos pólos e em outras estações do ano. E ocorrem mais sobre os continentes do que sobre os oceanos.
Tempestades são normalmente mais freqüentes durante à tarde (máxima ocorrência entre 16 e 18 horas locais), embora ocorram em todas as horas do dia. Sobre as montanhas, o máximo de ocorrência tende a acontecer mais cedo, em torno da uma hora da tarde. A freqüência de tempestades em um dado local depende de vários fatores, entre eles a topografia, a latitude, a proximidade de massas de água, a continentalidade e a presença de diferentes sistemas meteorológicos. Uma pequena percentagem das tempestades que ocorrem todo ano é considerada tempestades severas. Em geral, tempestades severas estão associadas a tempestades organizadas e apresentam uma ou mais das seguintes características: granizo, tornado e ventos fortes.
Granizo é uma partícula de gelo com forma arredondada e dimensões da ordem de centímetros. Embora os relâmpagos não sejam considerados como uma das características para definir uma tempestade severa, a maioria das tempestades severas está associada a um grande número de relâmpagos. Tempestades acompanhadas da ocorrência de granizo no solo costumam ser chamadas de tempestades de granizo.
Tempestades acompanhadas de tornados costumam ser chamadas de tempestades tornádicas. Tornados se formam em regiões da tempestade com vários quilômetros de extensão onde existem fortes movimentos de rotação, denominadas de regiões mesociclônicas. Tempestades severas também costumam produzir correntes de ar descendentes de alta intensidade (em alguns casos, velocidades superiores a 100 km/h) conhecidas como rajadas e micro rajadas. Rajadas possuem em geral extensão de até dez quilômetros e duram de uns poucos minutos a algumas dezenas de minutos. Micro rajadas são rajadas de curta duração (entre 5 e 15 minutos) e que afetam regiões de uns poucos quilômetros de extensão (tipicamente de 1 a 3 km). Atualmente não existem estatísticas sobre a freqüência de ocorrência de micro rajadas em diferentes regiões do mundo.
Tempestades organizadas, também chamadas de sistemas convectivos de mesoescala, são um fenômeno muito comum. Em geral, elas tendem a ser maiores do que as tempestades isoladas e durarem mais tempo. Alguns tipos particulares destes sistemas são as linhas de tempestades, as linhas de instabilidade e os complexos convectivos de mesoescala. Os demais sistemas recebem o nome genérico de aglomerados de tempestades. Tempestades organizadas costumam apresentar duas regiões distintas: uma região convectiva e uma região estratiforme. A região convectiva é caracterizada por forte convecção e grande altura do topo da nuvem, enquanto a região estratiforme situa-se na parte posterior da nuvem, em relação ao seu movimento, e caracteriza-se como uma camada de nuvens de grande extensão horizontal (centenas de quilômetros) e menor altura de topo (semelhante a uma extensa bigorna).
Linhas de tempestade são formadas por tempestades individuais que se movem próximas uma das outras sem interagirem entre si. Linhas de instabilidade são sistemas de nuvens de tempestade arranjadas segundo uma linha. Diferentemente de uma linha de tempestades, as nuvens de tempestade em uma linha de instabilidade interagem entre si, sendo conectadas pela região estratiforme. Linhas de instabilidade podem se estender por centenas de quilômetros. Normalmente essas linhas produzem ventos muito fortes e algumas vezes fracos tornados, e são geralmente formadas perto da interface entre uma massa de ar úmida e quente, e uma massa de ar fria. Diferentemente das tempestades isoladas, raramente permanecem estacionárias. Devido ao deslocamento do sistema, à medida que as nuvens vão se dissipando, novas nuvens vão sendo formadas de forma que a tempestade pode durar por várias horas.
Complexos convectivos de mesoescala são os maiores membros dos sistemas convectivos de mesoescala. Eles são sistemas quase circulares com diâmetros típicos de 300 a 400 km, contendo em seu interior centenas de tempestades interligadas. Duram em média de 10 a 12 horas e ocorrem principalmente à noite, muito embora em certas ocasiões possam regenerar-se durando por vários dias. Por se moverem, em geral, lentamente (típicas velocidades de 20 a 40 km/h) podem afetar uma região por um longo período de tempo. Evidências indicam que um só complexo convectivo pode ser responsável por até 50% da densidade de relâmpagos anual de uma dada região.
Ao longo de sua vida, um tipo de tempestade pode evoluir para um outro tipo. Por exemplo, linhas de tempestades podem evoluir para linhas de instabilidade. Estas por sua vez, podem se dividir em tempestades supercelulares.
Finalmente, as tempestades podem se agrupar em sistemas de dimensões em escala sinótica. São as tempestades tropicais e as tempestades extratropicais ou ciclones. Tais sistemas atingem dimensões de centenas a milhares de quilômetros, costumam apresentar ventos superiores a 300 km/h, podem durar vários dias e possuem uma estrutura que se caracteriza por bandas de tempestade, com larguras de algumas dezenas de quilômetros, que se movem em torno de uma região central de forma quase circular, denominada de olho do sistema. Devido a suas dimensões, elas são afetadas pela rotação da terra, de tal modo que tendem a girar no sentido horário no hemisfério sul, e anti-horário no hemisfério norte. Devido ao seu alto grau de organização, tais tempestades são associadas aos níveis de precipitação muito maiores que quaisquer outras tempestades.
Tempestades tropicais com ventos na região central maiores que 100 km/h são também conhecidos como furacões. Furacões podem atingir até 2 mil km de diâmetro e costumam se formar nos oceanos e migrarem para os continentes. Seu olho tem uma forma quase circular com um diâmetro de 10 a 30 km. Quanto menor o olho do furacão, maior é sua intensidade. Ao atingirem os continentes, costumam provocar tornados. Cerca de 50 furacões ocorrem por ano. Cerca de 70% deles se formam nos oceanos, entre 10 e 20 graus do equador, em regiões onde a temperatura superficial da água excede aproximadamente 27°C. Diferentemente das tempestades tropicais, as tempestades extratropicais são formadas a partir dos gradientes de temperatura da atmosfera em regiões de médias latitudes e possuem um diâmetro médio em torno de 3 mil km.
Uma tempestade isolada dura tipicamente de uma a algumas horas (cerca de 80% duram menos de três horas), tem um diâmetro de 10 a 20 km, alcança altitudes de 6 a 20 km (cerca de 50% ultrapassam 15 km de altura) e move-se com velocidade de poucos quilômetros por hora até 50 km/h. Normalmente elas podem ser identificadas por seu largo e brilhante topo esbranquiçado, a bigorna, que se projeta na direção dos ventos. Uma tempestade isolada pode ser formada por uma única célula, por várias células (multicelular) ou por uma supercélula, sendo a célula definida como uma região com movimento convectivo independente. Enquanto que uma tempestade isolada formada por uma única célula, denominada tempestade unicelular pode durar menos de uma hora, as tempestades isoladas multicelulares ou supercelulares, assim como tempestades organizadas podem afetar uma região por várias horas.
Uma tempestade multicelular consiste de várias células adjacentes umas as outras e em diferentes estágios de desenvolvimento. Seu tamanho pode atingir um diâmetro de uma centena de quilômetros. As células interagem entre si de tal modo que as correntes de ar descendente de uma célula em dissipação podem intensificar as correntes de ar ascendente de uma célula adjacente. A maioria das tempestades isoladas tem mais de uma célula, isto é, são multicelulares. Diferentemente de uma tempestade formada por uma única célula, tempestades multicelulares podem algumas vezes se tornar tempestades severas.
Tempestades supercelulares são consideradas as maiores tempestades isoladas, possuindo dimensões equivalentes às maiores tempestades multicelulares e podendo atingir alturas de até 20 km, ultrapassando a tropopausa. Embora mais raras, elas são mais violentas. Elas duram em geral de 2 a 6 horas e são basicamente, uma tempestade com uma célula gigante, caracterizada por uma forte corrente de ar ascendente (com velocidades em alguns casos maiores que 150 km/h) combinada com intenso movimento giratório. Sua existência está relacionada às variações verticais dos ventos horizontais, conhecidas como cizalhamento vertical do vento, e a instabilidade da atmosfera. Em geral, tempestades multicelulares estão associadas a ventos horizontais com fortes gradientes verticais tanto em intensidade quanto em direção. Elas são freqüentemente classificadas como tempestades severas, sendo responsáveis pela maioria dos grandes tornados ou pela ocorrência de granizo. Entretanto, nem toda tempestade supercelular produz tornados.
Tempestades supercelulares são eletricamente mais ativas do que as tempestades isoladas com uma única célula ou multicelulares. Existem vários fatores que influenciam na severidade de uma tempestade supercelular. Os principais fatores são a intensidade das correntes de ar ascendentes e a velocidade dos ventos horizontais nos níveis superiores.
Outro aspecto importante associado às tempestades multicelulares, supercelulares e tempestades organizadas é a existência, na região da atmosfera onde elas se formam, de um gradiente vertical dos ventos horizontais.
A presença deste gradiente faz com que as correntes descendentes de ar tendam a ocorrer em uma região distinta das correntes ascendentes de ar, com isto permitindo que a tempestade persista por um período de tempo mais longo que uma tempestade unicelular. A maioria das tempestades severas se forma em uma atmosfera com um forte gradiente vertical dos ventos horizontais e um alto valor da CAPE. Tempestades multicelulares e supercelulares associadas a tornados, costumam se formar em uma atmosfera onde o gradiente vertical dos ventos horizontais possui um forte componente de vorticidade.
Tempestades isoladas podem produzir de poucas dezenas a algumas centenas de relâmpagos ao longo de sua vida. Em geral, produzem de um a quatro relâmpagos nuvem-solo por minuto. A distância média entre o local da queda de dois relâmpagos consecutivos de uma mesma nuvem é de 3 km. Relâmpagos produzidos por tempestades isoladas tendem a ocorrer predominantemente ao final da tarde. Linhas de instabilidade ou complexos convectivos de mesoescala, por sua vez, podem produzir centenas de relâmpagos por minuto. Neste caso, não há um horário preferencial de ocorrência, podendo o máximo de relâmpagos ocorrer ao longo do dia ou mesmo à noite.
Mecanismos de Eletrificação
Não se conhece exatamente como as nuvens de tempestade se tornam carregadas. Em parte, isto se deve ao fato de que a estrutura elétrica de uma nuvem de tempestade é bastante complexa, sendo o resultado de processos macrofísicos, que atuam em escalas de quilômetros, e processos microfísicos, que atuam em escalas de milímetros, ambos ocorrendo simultaneamente dentro da nuvem. Isto faz com que além de identificar os diversos processos seja necessário determinar a importância relativa de cada um. Como resultado destes processos, cargas intensas são produzidas no interior da nuvem com valores que podem variar de algumas poucas dezenas até poucas centenas de coulombs. São estas cargas que originam os relâmpagos.
A teoria mais aceita para explicar a produção de cargas requerida para eletrificar uma nuvem de tempestade assume que as partículas carregadas são produzidas por colisões de diferentes partículas de gelo no interior da nuvem, onde cargas de até 100 pC têm sido medidas em diferentes partículas de gelo. Tem sido mostrado que os diferentes processos dependem dos tipos de partículas envolvidas na colisão. Além disso, os detalhes do processo de colisão não são muito bem conhecidos. Os dois processos que têm sido mais considerados são o processo indutivo e o processo termoelétrico. O processo indutivo considera que o campo elétrico tem um papel preponderante sobre a formação das cargas, enquanto o processo termoelétrico considera que a temperatura seja preponderante. No processo indutivo, o campo elétrico atua na separação de cargas, através da polarização das partículas de gelo maiores como o granizo. A colisão destas partículas com as partículas de gelo menores, como os cristais de gelo, transfere cargas do granizo para os cristais. Para um campo elétrico orientado em direção para baixo na atmosfera, o granizo transferirá cargas positivas para os cristais de gelo, tornando os cristais carregados positivamente e ficando carregado negativamente. Considerado mais aceito por muito tempo, esse processo tem sofrido sérias críticas nas últimas décadas, pois experimentos de laboratório indicaram que a intensidade do campo elétrico de tempo bom não é suficiente para que ele ocorra. A necessidade de campos mais intensos que o campo de tempo bom para que o processo indutivo ocorra, faz com que este processo só possa ser efetivo no estágio maduro de uma tempestade, não podendo ser responsável pela formação das cargas no início da tempestade. Portanto, assumindo a existência de vários centros de carga, formados inicialmente a partir de outros processos, o processo indutivo poderia atuar para intensificar estes centros.
Já o processo termoelétrico estabelece que a polaridade da carga transferida durante uma colisão entre diferentes partículas de gelo depende da temperatura no local da colisão. Se a temperatura local for maior que uma dada temperatura, denominada temperatura de inversão de carga, e estimada ser em torno de -15° C, o granizo transferirá uma carga negativa para o cristal de gelo. Caso contrário transferirá uma carga positiva. Embora não sejam conhecidas as razões para a existência desta temperatura, tem-se mostrado que ela depende do tamanho e da velocidade de impacto das partículas envolvidas na colisão. Em princípio este processo pode ser efetivo desde o início da tempestade, podendo gerar até três centros de cargas distintos, um negativo e dois positivos, ao seu redor. A existência de quatro centros de carga nas regiões de correntes ascendentes dentro das tempestades, contudo, requer a existência de um outro mecanismo além deste processo. Neste contexto, é possível imaginar que os três centros inferiores sejam formados a partir do processo termoelétrico e o centro negativo superior a partir da intensificação do processo responsável pela formação da camada de blindagem, sendo então intensificados pelo processo indutivo. Contudo existem dúvidas quanto à eficiência do processo de geração da camada blindagem a ponto de produzir um centro de cargas negativo dentro da nuvem.
Na região de correntes descendentes, a existência de mais centros de carga pode indicar que outros processos possam estar atuando nesta região. Outros processos envolvendo o potencial de contato, a mudança de fase de gelo para água ou o conteúdo de água super-resfriada têm sido considerados importantes. Existem fortes evidências que o conteúdo de água super-resfriada no local da colisão tenha um papel importante na determinação da polaridade das cargas de cada partícula, alterando a temperatura superficial da partícula de granizo e atuando de modo a alterar o valor da temperatura de inversão de carga. É provável que mais de um parâmetro seja relevante e, também, que diferentes parâmetros devam ser considerados em diferentes estágios da nuvem e em diferentes nuvens. Também é importante considerar diferenças geográficas, devido à influência de variadas concentrações de diferentes aerossóis. Outros processos de produção de cargas para eletrificar uma nuvem de tempestade têm sido discutidos, entre eles a produção de cargas por raios cósmicos e por efeito corona, embora eles sejam considerados de menor importância.
Após as partículas carregadas serem formadas, elas são separadas pelo efeito de correntes de ar ascendente e descendente, denominado processo convectivo, e pela ação gravitacional, denominado processo gravitacional. O processo gravitacional assume que a ação da gravidade, atuando sobre diferentes partículas de gelo com tamanhos que variam de uma fração de milímetro até alguns poucos centímetros, tende a fazer com que as partículas maiores permaneçam na parte inferior da nuvem, enquanto que as partículas menores permaneçam na parte superior da nuvem de tempestade. O processo convectivo assume que as correntes de ar ascendentes e descendentes dentro das nuvens transportem estas partículas e atuem para manter as partículas menores suspensas na parte superior da nuvem. Acredita-se que ambos os processos sejam importantes para o transporte de cargas dentro das nuvens de tempestade.
Modelagem da Eletrificação
Embora os processos de eletrificação que ocorrem dentro de uma tempestade são complexos e não totalmente conhecidos, envolvendo aspectos dinâmicos, microfísicos, termodinâmicos e eletrodinâmicos, eles podem ser modelados numericamente desde que algumas aproximações sejam consideradas, tais como: definição das espécies de partículas envolvidas (granizo, cristais de gelo, gotículas de água super-resfriada, etc) ou uma função de distribuição de partículas que as represente; definição dos processos físicos envolvidos no transporte (em geral, ventos e precipitação) e na interação entre as partículas de uma dada espécie e entre partículas de diferentes espécies (campo elétrico); definição
Fonte: www.inpe.br
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